sexta-feira, 18 de maio de 2012


FILOSOFIA
PARA QUE FILOSOIFA?
1.      As evidências do cotidiano
Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas: “que horas são?”, “que dia é hoje?”. Dizemos frases: “ela está sonhando?”, “ela ficou maluca”. Fazemos afirmações: “onde há fumaça há fogo”, “não saia na chuva para não se resfriar”. Avaliamos coisas e pessoas: “esta casa é mais bonita do que a outra”, “Maria está mais jovem do que Glorinha”.
Numa disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode gritar ao outro: “Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e alguém, querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um diga o que viu e vamos nos entender”.
Também é comum ouvirmos que somos muito subjetivos quando o assunto é o namorado ou namorada.  Freqüentemente , quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos que essa pessoa “é legal”.
Quando pergunto “que horas são?”, “que dia é hoje”, tenho a expectativa que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê à resposta exata. Desse modo acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias. Uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós.
Quando digo “ele está sonhando”, referindo-me a alguém que diz ou pensa alguma coisa que julgo impossível e improvável, tenho igualmente muitas crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado e também que o sonho se relaciona com o irreal.
A frase “ela ficou maluca” contém crenças que sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que inventa uma realidade só para ela. Quando alguém diz “onde há fumaça, há fogo” ou “não saia na chuva para não se resfriar”, afirma silenciosamente que existe relações de causa e efeito entre as coisas. Acreditamos, assim, que a realidade é feita de causalidades, que as coisas, os fatos, as situações se encadeiam em relações causais que podemos conhecer e, até mesmo, controlar para o uso de nossa vida. 
Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou Maria está mais jovem que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, ruim) ou quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las em nossa vida.
Nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no espaço, tempo, realidade, qualidade, quantidade, verdade, diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; entre objetividade subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da sociedade.

2.      A atitude filosófica
Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “esta sonhando” ou “ficou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão?
Se essas pessoas fossem substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?... O que objetividade? O que subjetividade?... O que é menos? O que é mais? O que é belo? E por ai vai...
Alguém que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência.
Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.  
Desse modo, uma primeira resposta à pergunta “O que é filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.
Perguntaram a um filósofo, certa vez: “Para que filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”.

3.      A atitude crítica
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica.
A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico.
A filosofia começa dizendo não as crenças e aos preconceitos do senso comum e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos saber; por ISS, o patrono da filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica é dizer: “Sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o filósofo grego Platão, a filosofia começa com a admiração; já o discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a filosofia começa com o espanto.  
Admiração e espanto significam: tomamos distância do nosso mundo costumeiro, através de nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meios de comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar o que é, por que é e co mo é o mundo, e precisássemos perguntar também o que somos, por que somos e como somos.
4.      Para que filosofia?
Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que matemática ou física, para que geografia ou geologia, para que historia e sociologia, música ou dança. Mas todo mundo acha natural perguntar: Para que filosofia?
Em geral essa pergunta costuma receber uma resposta irônica: “A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar de “filósofo” alguém sempre distraído.
Em nossa sociedade e em nossa cultura, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata.
Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relações entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas.   
Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo.
A filosofia seria a arte de bem viver. Estudando as paixões e os vícios humano, a liberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razão pra impor limites aos nossos desejos e paixões, ensinado-nos a viver de modo honesto, a filosofia teria como finalidade ensinar-nos  a virtude, que é o princípio do bem-viver.
A filosofia continua fazendo suas perguntas desconcertantes: O que é o homem? À vontade? A paixão? A razão? O vício? A virtude? A liberdade? Como nos tornamos livres, racionais e virtuosos? Por que a liberdade e a virtude são valores para os seres humanos? O que é um valor? Por que avaliamos os sentimentos e as ações humanas? As perguntas filosóficas – o que, por que e como – permanecem. 


Referência Bibliográfica
CHAUI, Marilena. Filosofia. Série Novo Ensino Médio. São Paulo – SP: Editora Ática, 2003.

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