FILOSOFIA
PARA QUE
FILOSOIFA?
1. As
evidências do cotidiano
Em
nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos
coisas, pessoas, situações. Fazemos
perguntas: “que horas são?”, “que dia é hoje?”. Dizemos frases: “ela está sonhando?”, “ela ficou maluca”. Fazemos afirmações: “onde há fumaça há
fogo”, “não saia na chuva para não se resfriar”. Avaliamos coisas e pessoas: “esta casa é mais bonita do que a
outra”, “Maria está mais jovem do que Glorinha”.
Numa
disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode gritar ao
outro: “Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e alguém,
querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um diga o que
viu e vamos nos entender”.
Também
é comum ouvirmos que somos muito subjetivos quando o assunto é o namorado ou
namorada. Freqüentemente , quando
aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos que essa pessoa “é
legal”.
Quando
pergunto “que horas são?”, “que dia é hoje”, tenho a expectativa que alguém,
tendo um relógio ou um calendário, me dê à resposta exata. Desse modo acredito
que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias. Uma simples
pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós.
Quando
digo “ele está sonhando”, referindo-me a alguém que diz ou pensa alguma coisa
que julgo impossível e improvável, tenho igualmente muitas crenças silenciosas:
acredito que sonhar é diferente de estar acordado e também que o sonho se
relaciona com o irreal.
A
frase “ela ficou maluca” contém crenças que sabemos diferenciar razão de
loucura e maluca é a pessoa que inventa uma realidade só para ela. Quando
alguém diz “onde há fumaça, há fogo” ou “não saia na chuva para não se
resfriar”, afirma silenciosamente que existe relações de causa e efeito entre
as coisas. Acreditamos, assim, que a realidade é feita de causalidades, que as
coisas, os fatos, as situações se encadeiam em relações causais que podemos
conhecer e, até mesmo, controlar para o uso de nossa vida.
Quando
avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou Maria está mais jovem
que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, os fatos
podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom,
ruim) ou quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, que a
qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las em nossa
vida.
Nossa
vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de
evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos
no espaço, tempo, realidade, qualidade, quantidade, verdade, diferença entre
realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; entre objetividade
subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da
sociedade.
2. A
atitude filosófica
Imaginemos,
agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer
perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que dia é hoje?”,
perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “esta sonhando” ou “ficou
maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão?
Se
essas pessoas fossem substituindo sucessivamente suas perguntas, suas
afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para
não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?... O que
objetividade? O que subjetividade?... O que é menos? O que é mais? O que é
belo? E por ai vai...
Alguém
que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida cotidiana e de si
mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que
alimentam, silenciosamente, nossa existência.
Ao
tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por
que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas
crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que
chamamos de atitude filosófica.
Desse
modo, uma primeira resposta à pergunta “O que é filosofia?” poderia ser: A
decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos,
as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana;
jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.
Perguntaram
a um filósofo, certa vez: “Para que filosofia?”. E ele respondeu: “Para não
darmos aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”.
3. A
atitude crítica
A
primeira característica da atitude
filosófica é negativa, isto é um
dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às
idéias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao
estabelecido.
A
segunda característica da atitude
filosófica é positiva, isto é,
uma interrogação sobre o que são as
coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós
mesmos. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da
atitude filosófica.
A
face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento
crítico.
A
filosofia começa dizendo não as crenças e aos preconceitos do senso comum e,
portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos saber; por ISS, o
patrono da filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental
verdade filosófica é dizer: “Sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o
filósofo grego Platão, a filosofia começa com a admiração; já o discípulo de
Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a filosofia começa com o
espanto.
Admiração
e espanto significam: tomamos distância do nosso mundo costumeiro, através de
nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não
tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meios de
comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos
acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar o
que é, por que é e co mo é o mundo, e precisássemos perguntar também o que
somos, por que somos e como somos.
4. Para
que filosofia?
Não
vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que matemática ou
física, para que geografia ou geologia, para que historia e sociologia, música
ou dança. Mas todo mundo acha natural perguntar: Para que filosofia?
Em
geral essa pergunta costuma receber uma resposta irônica: “A filosofia é uma
ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a
filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar de “filósofo” alguém
sempre distraído.
Em
nossa sociedade e em nossa cultura, costumamos considerar que alguma coisa só
tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de
utilidade imediata.
Verdade,
pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relações entre teoria
e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas.
Assim,
o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da filosofia,
mesmo que o cientista não seja filósofo.
A
filosofia seria a arte de bem viver.
Estudando as paixões e os vícios humano, a liberdade e a vontade, analisando a
capacidade de nossa razão pra impor limites aos nossos desejos e paixões,
ensinado-nos a viver de modo honesto, a filosofia teria como finalidade
ensinar-nos a virtude, que é o princípio
do bem-viver.
A
filosofia continua fazendo suas perguntas desconcertantes: O que é o homem? À
vontade? A paixão? A razão? O vício? A virtude? A liberdade? Como nos tornamos
livres, racionais e virtuosos? Por que a liberdade e a virtude são valores para
os seres humanos? O que é um valor? Por que avaliamos os sentimentos e as ações
humanas? As perguntas filosóficas – o que, por que e como – permanecem.
Referência
Bibliográfica
CHAUI,
Marilena. Filosofia. Série Novo Ensino Médio. São Paulo – SP: Editora Ática,
2003.
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